Brasília do colarinho branco foi colorida de Jenipapo e Urucum

Brasília do colarinho branco foi colorida de Jenipapo e Urucum

Fotos e texto Alass Derivas

Publicado no Nonada – Jornalismo Travessia

“Como é que esse governo vai fazer, como é que a ciência vai fazer, como é que o capitalismo vai fazer o dia que acabarem todas as árvores do planeta? Por que o dia que acabarem todas as árvores, nós queremos saber, onde é que vai escrever essa caneta? Nós mulheres indígenas continuamos aprendendo muito mais com a árvore viva do que com o papel morto”. Esta é a fala de Célia Xakriabá, uma das milhares de mulheres que marcharam pelas ruas de Brasília dia 13 de agosto na I Marcha das Mulheres Indígenas. Mais de 2500 mulheres de 130 povos de todas regiões do país reunidas com o foco no tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”.

Foto Alass Derivas

Nesta segunda, dia 19, o estado do Amazonas decreta situação de emergência devido às queimadas criminosas que destroem uma enorme extensão de floresta. No final da semana passada, as evidências de assassinato do Cacique do povo Wajãpi por parte de garimpeiros são desconsideradas pela Polícia Federal em seu laudo, que alega afogamento por acidente – um agravante, uma sequência sistemática por parte do estado da violência que sofre este povo e outros povos indígenas. Nos últimos meses, as terras dos Yanomamis, na região do alto Tapajós, são invadidas por 20 mil garimpeiros ilegais, que exportam ouro para Índia de forma totalmente clandestina.

Enquanto isso, na Câmara, os deputados tentam votar a toque de caixa a Proposta De Emenda Constitucional 187, que libera o arrendamento em terras indígenas. Desde que o Presidente Bolsonaro assumiu, os ataques aos indígenas – que, é preciso destacar, se dão há mais de 500 anos – se intensificaram. Devido à medidas que afetam diretamente estes povos e também à retórica do líder do Governo, de desconsideração a estes povos e de impunidade à violência de fazendeiros, milicianos, jagunços, garimpeiros, madeireiros ilegais.

Tuyra Kayapó. Foto Alass Derivas

“Essa forma de governar é como arrancar uma árvore da terra, deixando suas raízes expostas até que tudo seque. Nós estamos fincadas na terra, pois é nela que buscamos nossos ancestrais e por ela que alimentamos nossa vida. Por isso, o território para nós não é um bem que pode ser vendido, trocado, explorado. O território é nossa própria vida, nosso corpo, nosso espírito”.

É o que diz o documento final da Marcha das Mulheres Indígenas (leia abaixo). Este movimento, que começou a ser articulado em 2015 e que de 9 a 14 realizou o 1º Fórum e a 1ª Marcha, denuncia as violências de que as mulheres indígenas são vítimas em suas aldeias, mas enfatiza que “o machismo é mais uma epidemia trazida pelos europeus” e, por isso, na defesa contra essa violência, as especificidades das culturas indígenas devem ser levadas em consideração.

I Marcha das Mulheres Indígenas. 13 de agosto de 2019. Brasília. Foto Alass Derivas

Esta primeira marcha nacional afirmou a disposição histórica e o protagonismo das mulheres indígenas na defesa dos territórios. “Lutar pelos direitos de nossos territórios é lutar pelo nosso direito à vida. A vida e o território são a mesma coisa, pois a terra nos dá nosso alimento, nossa medicina tradicional, nossa saúde e nossa dignidade. Perder o território é perder nossa mãe. Quem tem território, tem mãe, tem colo. E quem tem colo tem cura”.

As mulheres indígenas alertaram que, ao cuidarem dos territórios dos seus povos, estão cuidando do planeta, afinal a maior biodiversidade se encontra em terras indígenas. Águas, solo, ar ainda preservados estão no território desses povos. Violar este território, para estas mulheres, é violar seus próprios corpos, é violar suas vidas. E é por isso que elas se juntaram nesta marcha “para lutar incansavelmente”.

Mulheres do Povo Tupinambá cantam nas ruas de Brasília. Foto Alass Derivas

Nestes dias de movimento em Brasília, as mulheres ocuparam a Secretária Especial de Saúde Indígena, promoveram diversas articulações e reuniões políticas (na Câmara, no Senado, no STF), se somaram às mais de 100 mil mulheres da Marcha das Margaridas, foram às ruas no dia 13, dançaram, se viram, se reconheceram nas parentas de outros povos. Pintaram de jenipapo e urucum o cinza de Brasília. E vão seguir resistindo! Respeitando nossas diferenças, sejamos solidários a esta luta, que afeta a sobrevivência da Mãe Natureza, que afeta a existência das mulheres indígenas e também diretamente a nossa, brancos. A nossa possibilidade de respiro, de vida. Para seguirmos existindo, precisamos contribuir na defesa do território destes povos. Abaixo, estão fotos que trazem um recorte de como foram estes dias de encontro histórico na capital federal, uma primeira marcha que vai ficar marcada na história da resistência ao Governo Bolsonaro e à ofensiva colonial que se dá há 519 anos. No final deste registro fotográfico, leia o documento final da Marcha das Mulheres Indígenas e conheça suas demandas.

Capítulo 1 – Acampamento

No Memorial dos Povos Indígenas, mulheres da comissão de organização da Marcha dão sua primeira entrevista coletiva. Da esquerda para direita: Cristiane Julião, Sônia Guajajara, Célia Xakriabá, Nyg Kaingang. Foto Alass Derivas

“Nós, povos indígenas, somos muito diversos, mas nos juntamos quando a luta é por nossos territórios, que é nosso útero”, disse Célia Xakriabá, na primeira entrevista coletiva da Marcha. 

Cacica Tanoné, do povo Kariri-Xocó, no Memorial dos Povos Indígenas. 09 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
09 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Sônia Guajajara e Joênia Wanapichana, duas atuais expoentes das articulações políticas dos povos indígenas. 09 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres Timbira montam seu acampamento no entardecer do sábado. 10 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres do povo Canela se pintam de Jenipapo à luz da lua. Acampamento da Marcha das Mulheres Indígenas. 10 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres do povo Canela se pintam de Jenipapo à luz da lua. Acampamento da Marcha das Mulheres Indígenas. 10 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Célia Xakriabá foi uma das porta-vozes da I Marcha das Mulheres Indígenas, é a primeira pessoa indígena doutoranda na UFMG, faz parte da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas (Apib). Conheça essa mulher. 10 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres Kayapós no Acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Cacica Tamikuã Pataxó, da Bahia, Acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres Mbya Guarani no Acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Sônia Guajajara se apresenta junto ao seu povo no Acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres dos Povos do Amazonas (Juma, Diarroi, Tenherin, Parintintin, Apurinã) se apresentam no Acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Enquanto representações de diversos povos se apresentam, as outras mulheres acompanham e filmam no acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Enquanto representações de diversos povos se apresentam, as outras mulheres acompanham no acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Enquanto representações de diversos povos se apresentam, as outras mulheres acompanham e filmam no acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulher Guarani-Kaiowá se apresentando com seu Maracá no acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Rezadeira do povo Guarani-Kaiowá, Miriam Barbosa, da retomada Laranjeira Ñanderu. No acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019.
Foto Alass Derivas
Mukani Apurinã compondo a música “Ninguém vai calar nossa voz”. Assista mais abaixo o vídeo dela interpretando essa música durante a Marcha das Margaridas. Acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Anciã. Acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 11 de agosto de 2019.
Foto Alass Derivas
Retrato de umas das mulheres Awá-Guajá que estiveram presentes na Marcha Das Mulheres Indígenas. Foto Alass Derivas

A maioria das mulheres do Povo Awá-Guajá que participaram da #MarchadasMulheresIndigenas saíram do seu território pela primeira vez para essa manifestação política. Os Awá-Guajá são considerados um povo de recente contato. Em entrevista, a @silviazonatto perguntou da motivação de sair do território pela primeira vez. A resposta foi que a saída do território é pela necessidade de lutar para que ele siga existindo.

Os Awá-Guajá vivem perto dos Guajajara, no Maranhão, e são constantemente ameaçados por madeireiros. Esta situação foi recentemente denunciada no vídeo “Ka’! zar ukyze wà – Os donos da floresta em perigo”, disponível no YouTube.

No amanhecer, anciã, com seu maracá, se prepara para um dia de luta. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres dançam e se preparam para dia de luta. Acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres dançam e se preparam para dia de luta. Acampamento da I Marcha das Mulheres Indígenas. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas

Capítulo 2 – Ocupação pela Saúde Indígena

“Não ao desmonte da Saúde indígena”. Mulheres marcham em direção à Secretaria Especial da Saúde Indígena. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres marcham em direção à Secretaria Especial da Saúde Indígena. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres marcham em direção à Secretaria Especial da Saúde Indígena. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Policiais Militares tentam impedir a entrada das Mulheres Indígenas na Secretaria Estadual de Saúde Indígena. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas

Confira no vídeo baixo o momento da entrada das indígenas no Prédio da SESAI. 12 de agosto de 2019. Vídeo Alass Derivas

Foto Alass Derivas

As mulheres ocuparam o prédio da Secretaria da Saúde Indígena. Reivindicavam a não precarização e municipalização da Saúde Indígena e a saída da secretária Silvia Nobre. Leia o manifesto publicado pelas mulheres indígenas com as demandas em relação à saúde AQUI.

Mulheres do Povo Maxakali durante ocupação da SESAI. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres Mbya Guarani brincam na ocupação da SESAI. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres Pataxós dançam no saguão de entrada da SESAI. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulher do Povo Anacê, Ceará, durante ocupação da SESAI. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres xinguanas dançam no saguão de entrada da SESAI. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Ocupação no Prédio da Secretaria da Saúde Indígena. Foto Alass Derivas
Sônia Guajajara, Romancil Kretan e Kerexu na parte externa da Secretaria Especial de Saúde Indígena, enquanto o órgão estava ocupado pelas mulheres indígenas participantes da Marcha Das Mulheres Indígenas. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulher Kayapó argumenta dentro da SESAI. As mulheres discutem se desocupam ou não o prédio depois de receberem o retorno do Ministro da Saúde. Ele promete receber 10 mulheres na 6ª Câmara com a condição das mulheres desocuparem imediatamente o prédio. Clima é de desconfiança. 12 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Depois de muita discussão, as mulheres decidem desocupar o prédio e ir à reunião. A reunião acontece, com a presença do Ministro da Saúde, Luiz Mandetta, e da Secretária Especial de Saúde Indígena, Silvia Nobre. Enquanto isso, as indígenas que não vão à reunião se mantém em vigília em frente à SESAI, dançando e cantando, em rezo. Foto Alass Derivas.

Capítulo 3 – A Marcha

Mulheres xinguanas durante a I Marcha das Mulheres Indígenas. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Indígenas do Equador durante a I Marcha das Mulheres Indígenas. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres Kaingangs e Guaranis durante a I Marcha das Mulheres Indígenas. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres do Povo Boe-Bororo durante a I Marcha das Mulheres Indígenas. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
I Marcha das Mulheres Indígenas toma a Esplanada dos Ministérios, Brasília. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres do Povo Boe-Bororo durante a I Marcha das Mulheres Indígenas. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Mulheres Pataxós durante a I Marcha das Mulheres Indígenas. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Puyr Tembé, Sonia Guajajara e Célia Xakriabá. I Marcha das Mulheres Indígenas. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas

Confira a fala de Célia Xakriabá em frente à Biblioteca Nacional, quando a Marcha das Mulheres Indígenas encontrou os estudantes que protestavam contra os cortes na educação. 

I Marcha das Mulheres Indígenas toma a Esplanada dos Ministérios, Brasília. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Representantes do Feminismo Comunitário na I Marcha das Mulheres Indígenas. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas

Capítulo 4 – Margarida Alves e as mulheres indígenas

Foto Alass Derivas

Cacica Ângela Kaigang (Rio Grande do Sul), Cacica Tamikuã Pataxó (Bahia), Ivanilde, filha da cacica Tanoné (aldeia Kariri-Xocó, Brasília). Estas três mulheres fizeram parte do grupo de mulheres indígenas que entrou na Câmara dos Deputados, Congresso Nacional, para participar da solenidade em homenagem à Margarida Alves, inspiradora da Marcha das Margaridas. 

Liderança camponesa da Paraíba, Margarida foi assassinada, a mando de fazendeiros, com um tiro de espingarda no rosto em 1983. “É melhor morrer lutando do que morrer de fome”, frase dela, que era presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande. Foi morta por denunciar abusos e desrespeito aos direitos trabalhistas na sua região.

Por sua história de luta, Margarida dá nome à Marcha que levou, às ruas de Brasília, mais de 100 mil mulheres, camponesas, quilombolas, indígenas. Congresso Nacional. 13 de agosto de 2019.

Parte das mulheres da Marcha Das Mulheres Indígenas foi recebida na Sessão Solene no Plenário da Câmara dos Deputados em homenagem a Marcha das Margaridas. Congresso Nacional. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Parte das mulheres da Marcha Das Mulheres Indígenas foi recebida na Sessão Solene no Plenário da Câmara dos Deputados em homenagem a Marcha das Margaridas. Congresso Nacional. 13 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas

No dia 14, as mulheres indígenas se juntaram às mais de 100 mil mulheres que ocuparam o Eixo Monumental de Brasília na Marcha das Margaridas. Um encontro emocionante. 

Marcha das Margaridas. 14 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas

Confira a canção “Ninguém vai calar nossa voz”, composta por Mukany Apurinã durante o Acampamento das Mulheres Indígenas e entoada na Marcha das Margaridas. Vídeo Alass Derivas

Mulheres Haliti-Paresi na Marcha das Margaridas. 14 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Marcha das Margaridas. 14 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Edina Shanenawa, Sapoãne e a cacica Mukani. Mulheres do Povo Shanenawa, Aldeia Shanekaya, liderada por mulheres, no Acre. Esplanada dos Ministérios. Brasília. Durante a Marcha das Margaridas. 14 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Marcha das Margaridas. 14 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas
Nenhuma gota a mais de sangue indígena! Watatakalu Yawalapiti, mulher indígena do Xingu, durante a Marcha das Margaridas. 14 de agosto de 2019. Foto Alass Derivas

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Confira o vídeo final da Marcha das Mulheres Indígenas

Leia aqui o Documento final da Marcha das Mulheres Indígenas: “Território: Nosso Corpo, Nosso Espírito”

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