No sábado, dia 24 de julho, dezenas de milhares de pessoas voltaram a caminhar pelas ruas centrais de Porto Alegre pedindo a saída de Bolsonaro. Um trajeto um pouco diferente: Largo Glênio Peres, Borges, Salgado Filho, João Pessoa, Venâncio e aí, pela Lima e Silva ou pela João Alfredo, até o Largo Zumbi. Novamente, muitos símbolos LGBTQI+, presença mais intensa da base de alguns movimentos sociais, Capoeira Angola, Frente Quilombola, movimentos ambientalistas, antifascistas, centrais sindicais, coletivos políticos, trocidas organizadas, partidos (PT, PDT, PSB, Psol, PcdoB, Unidade Popular, PCB), anarquistas, autônomos, artistas de rua. E muitas pessoas aparentemente não organizadas: portando cartazes distribuídos no protesto, com adesivos e camisetas de fácil aquisição – hashtags de um tempo instagramável, em que a virtualização da presença vale muito.

Mais pessoas que o ato nacional anterior, no dia 13 de julho. Caráter mais popular e diverso, o que dá esperança. Embora a dispersão semelhante aos outros atos: pelos bares e ruas da Cidade Baixa.

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No mesmo dia, dia 24, em Santo Amaro, São Paulo, a estátua do mercenário Borba Gato, ancestral da simbologia bolsonarista (assassinato de indígenas, roubo de terras) queimou em São Paulo, em uma ação direta reivindicada por um movimento chamado Revolução Periférica. Nesta segunda, anunciou o prefeito de São Paulo, um empresário irá custear a restauração da estátua. Ainda no final de semana, a Polícia Militar prendeu o motorista do caminhão que levou os pneus para a ação.

Nas redes sociais, polêmica sobre o fogo na estátua. Chamado de burrice por Reinaldo Azevedo, Renato Rovai (editor da Revista Fórum), Eduardo Bueno e também, nas redes sociais, por muitos militantes que estão pedindo o Fora Bolsonaro. Argumentos diversos: por não acreditarem na destruição de estátuas como reparação histórica, por ser uma obra de arte, por acharem vandalismo e não acreditarem nessa prática, por acreditar que um ato assim prejudica as mobilizações Fora Bolsonaro e pode justificar mais violência dos militares ou do fascismo.
Muitos destes comentários são um desserviço a um aprofundamento da discussão, da ação, da luta por uma reparação histórica justa aos povos. Da luta contra o colonialismo histórico. Que segue, na exploração dos territórios, mas também nas nossas bases de organização enquanto homem, brancos, teorias, partidos políticos, etc.

Até quando vamos ter estátuas pelas ruas de militares que exterminaram em uma traição os Lanceiros Negros? De escravagistas? Ou até quando nossas escolas dizendo que bandeirante, matadores de aluguel na caça de indígena em troca de ouro, é herói nacional? Em breve garimpeiros também serão?

E ainda hoje irrompem por todo lado estátuas da liberdade (símbolo de um dos impérios da branquitude), marca de uma loja que se diz patriota, mas ostenta esse servilismo aos EUA e só vende produto da China. Novas lojas abrem por todo lado, financiadas com o incentivo dos bancos públicos – e da sonegação de impostos. É um dos principais apoiadores do Bolsonarismo, financiando até a Copa América para tentar encobrir as atrocidades do presidente. Como colocamos milhares na rua e não posicionamos com ações contra os pilares do Bolsonarismo?

No fundo sabemos que quando a revolta tomar conta das ruas, não só as bases do Borba Gato podem queimar, mas também os pés de quem ainda esteja agarrado nos seus privilégios, nos seus bens, na sua sanha de protagonismo – mesmo que se diga de esquerda, use boné do MST, adesivo Fora Bolsonaro. Se não aprofundarmos a luta anticolonial, pensarmos em uma reparação aos povos, ao povo negro, aos povo indígenas, assumirmos as violências dos nossos antepassados e olharmos de frente para o continuísmo destas violências na constituição dos nossos corpos e nas instituições atuais, em breve estaremos oxalá comemorando sim a saída de Bolsonaro da presidência e de os 7 mil militares que compõe a cúpula do governo. Mas estaremos comemorando abraçado no Centrão, já mirando a inauguração de uma nova Bela Monte, pensando novas formas de Unidades de Pacificação nas favelas, mandando militares para o Haiti treinar atrocidades com outros povos, sem falar do incentivo ao agronegócio e das políticas neoliberais disfarçadas de políticas sociais. Comemoraremos felizes que caiu o genocida, mas será o único? Abraçar em comemoração, junto a outros genocidas ou a quem vangloria genocidas (multinacionais aqui incluídas, impérios violadores desses tempos, junto com milícias, traficantes, fazendeiros, empresários da distopia tecnológica). Cúmplices? Caindo Bolsonaro, certa parcela deixará de sentir o luto próximo, mas muitas famílias que secularmente a sentem seguirão sentindo.

Não dá para lamentar que a Avenida da Legalidade e da Democracia voltou a se chamar Avenida Castelo Branco e depois criticar quem queima a estátua de Borba Gato. Não podemos permitir que movimento social sirva de polícia, diga o como ou não o ato deve transcorrer, inclusive fazendo acordo com a Polícia Militar nesse sentido, como aconteceu em São Paulo. Se quem colocou fogo no Borba Gato for preso, colocado como terrorista, vão selecionar solidariedade? Vão se abster?

Que sigam diversificando as ações para derrubar esse genocida, os militares e a todos que historicamente assolam o povo, seja aqui no Brasil ou no Mundo. Que a Terra nos impulsione a superar essa sanha ocidental de gastar bilhões em uma ida para o espaço por dez segundos enquanto muita gente ainda morre de fome, assassinada, e enquanto o clima dá sinais que as condições de vida se tornarão cada vez mais difíceis com essa desconexão. O que isso quer dizer sobre nossos ímpetos, planos e ações?

Nas ruas, até que a vida (também, mas não só a humana), não a morte, guie nossos passos.