Cenas de um colapso

Cenas de um colapso

Para onde vão os refugiados climáticos do Rio Grande do Sul?

Por Alass Derivas, publicado originalmente no The Intercept Brasil

Depois das enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul, na semana passada, Porto Alegre começou a receber desabrigados dos municípios atingidos – alguns completamente submersos, como Eldorado do Sul. Nos dias seguintes, a própria capital foi inundada.

Segundo números da Defesa Civil, divulgados na manhã desta quarta-feira, 8, 95 mortes foram confirmadas, e há 128 pessoas desaparecidas. Mais de158 mil gaúchos precisaram deixar suas casas por causa das enchentes que assolam o estado. Nove mil só na capital, Porto Alegre. Mais de 66 mil pessoas estão em abrigos espalhados pelos 414 municípios afetados – mais de dois terços do estado.

São os chamados refugiados climáticos: pessoas submetidas a um deslocamento forçado por conta de um evento climático extremo que coloca em risco sua existência. Esse termo não é usado de forma oficial, já que não consta na Convenção dos Refugiados de 1951. Mas sua adoção vem sendo debatida: a tendência é que cada vez mais pessoas sofram os efeitos das mudanças do clima. A situação no Rio Grande do Sul deixa o problema claro.

O êxodo trágico provocado pela enchente é fruto, sobretudo, da inoperância do governo do Rio Grande do Sul, que demorou para agir e falhou na comunicação da gravidade da situação. Agora, o sul do estado corre o risco de viver situação semelhante, com temporais extremos se aproximando da região de Pelotas.

Neste momento, Porto Alegre está à beira do colapso. Primeiro, foram bairros como Humaitá, Sarandi e o Centro Histórico da cidade que ficaram debaixo d’água. Em seguida, os próprios centros de triagem de desabrigados precisaram ser evacuados, como o Teatro Renascença.

Depois, o alagamento dos bairros Cidade Baixa e Menino Deus, na região mais central da cidade, provocaram caos no fim de tarde de segunda, 6. Moradores começaram a evacuar suas casas às pressas ao verem a água chegando. Ninguém sabia o que fazer, já que a prefeitura deu orientações contraditórias – e precisou se retratar.

O desligamento de uma bomba de contenção, instalada perto da orla do Guaíba, aumentou o fluxo da água que se alastra pelos dois bairros. Foi uma decisão humana desligar a bomba, mas o anúncio de evacuação só foi feito depois que a água já tinha começado a chegar.

A Prefeitura de Porto Alegre não investiu um centavo em 2023 no Plano de Contenção de Enchentes. Nos últimos dias, o abastecimento de água foi interrompido em quase 70% do município.

Muitas pessoas se deslocaram urgentemente, devido o alagamento de suas casas, levando o que podiam, às vezes só uma mochila. Hoje pessoas também se movem atrás de casas com água, luz. Pessoas se deslocam a outras cidades atrás de água potável.

Os preços dos alimentos começam a subir.

Como na pandemia de covid-19, as grandes empresas privadas do Rio Grande do Sul não estão fazendo uma ação de solidariedade de impacto condizente com seus patrimônios. Pelo contrário: essas tragédias seguem sendo oportunidades de lucro.

O Prefeito Sebastião Melo sugeriu que quem pode vá para suas casas no litoral. Quem tem casa na praia ou mesmo carro para se deslocar até lá?

Nem a tarifa do ônibus liberaram. Se você quer se voluntariar, precisa pagar a passagem.

Milhares de pessoas migraram no estado, de suas casas, de seus bairros, de seus municípios. Temporariamente? E se alagar de novo? Como essas pessoas voltarão dos abrigos para suas casas? Em que condições reconstruirão suas vidas?

“Cidades inteiras vão ter que mudar de lugar. É preciso afastar as infraestruturas urbanas desses ambientes de maior risco, que são as áreas mais baixas, planas e úmidas, as áreas de encostas, as margens de rios e as cidades que estão dentro de vales”, disse o ecólogo Marcelo Dutra da Silva, doutor em ciências e professor de Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande, em entrevista à BBC Brasil.

Em Porto Alegre, o mesmo projeto político – prefeito bolsonarista aliado da especulação imobiliária e governador aliado ao agronegócio e grandes empreendimentos – é, ao mesmo tempo, o responsável pela catástrofe climática e também o que gere a crise.

Talvez tenham entendido que, assim como a arma da Polícia Militar serve ao genocídio da população negra, a enchente mata os pobres, destrói aldeias e assentamentos. Remove gente de onde resistem. Política do deixar morrer: se não afogado, na luta feroz do capitalismo por um lugar onde viver e encontrar água potável.

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