Cozinha Solidária da Azenha – Uma olhar cronológico sobre a ocupação

Cozinha Solidária da Azenha – Uma olhar cronológico sobre a ocupação

Durante 18 dias, a Cozinha Solidária da Azenha ocupou o imóvel da Avenida Azenha, 1018, de posse do Governo Federal, mas abandonado há anos, sem cumprir sua função social. Ali, neste período, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e apoiadores entregaram mais de 3 mil marmitas a pessoas em situação de rua, trabalhadores da região, entregadores de aplicativos, famílias inteiras, entre outras pessoas diversas. Uma ação direta contra a fome, interrompida pela Justiça e pela Polícia, no dia 13. 

Abaixo, organizei uma cronologia a partir dos registros que fiz neste período. Convido a acompanharem, com um olhar atento à transformação do terreno, antes local de lixo e até fezes, depois, lugar limpo, de alimentação a cada dia melhor, com horta, brinquedos, espaço de presença.  

Fotos e textos de Alass Derivas | @derivajornalismo

Domingo (26-10-2021)

9h10 

Nasce nesta manhã a Cozinha Solidária da Azenha, puxada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto em Porto Alegre. O Movimento ocupou um imóvel abandonado no bairro Azenha (Av. Azenha, 1018) na manhã do domingo e cozinhará marmitas a serem entregues à população de rua.

Breve vídeo publicado no reels do Instagram na manhã do domingo:

11h30min

Solidariedade direta na Cozinha Solidária da Azenha. Uma delegação do Movimento dos Pequenos Agricultores (@mpa.brasil) da região central do RS chegou com uma linda doação de alimentos. Brócolis, couve, alface, repolho, morango e 50 kg de feijão. Organização dos de baixo para combater a fome. Solidariedade direta e união de nós para nós. Viva a articulação dos de baixo! Fortaleça os pequenos agricultores.

Segunda (27 de Setembro)

23h55min

Nesta noite, acompanhei a vigília da Cozinha Solidária, registrando e contribuindo no que for possível para estabelecer a ocupação. A Justiça foi acionada na segunda. “Então a mobilização se faz necessário no hoje, no amanhã. Junte-se em solidariedade. Nas vigílias. Na cozinha. Ainda é preciso de mãos para limpeza do espaço. Uma horta para ser cultivada”, publiquei no Instagram aquele dia.

Só na segunda foram entregues só 150 marmitas.

A casa há muito abandonada hoje é experiência política de luta social contra a fome, que atinge infelizmente cada vez mais gente.

Como nos articularmos para garantir uma alimentação, uma vida digna de nós por nós?

Aí alguns registros desta noite.

Quarta (29 de setembro)

16h50min

Três dias de ocupação.

A cada dia, 150 marmitas entregues. Para 150 pessoas, pelo menos uma refeição garantida.

Não resolve o problema da fome no país, mas o expõe e é ação que move. A ocupação é um espaço de troca sobre como podemos nos articular para resolver este problema social.

O que podemos com nossas próprias mãos?

O que nossa força coletiva pode mover?

Na manhã da quarta, a Cozinha Solidária da Azenha recebeu algumas visitas. Uma Oficial de Justiça entregou um mandato com indicação de saída pacífica do espaço em 72 horas. Também recebeu a visita do secretário municipal de Desenvolvimento Social, Léo Voight, que, segundo a comunicação do @mtst_rs, reconheceu a importância da Cozinha Solidária da Azenha como iniciativa de combate à fome e acolhimento de demandas trazidas por moradores e frequentadores da região. No encontro, o secretário também assumiu o compromisso de construir formas para viabilizar a manutenção da Cozinha Solidária, inclusive se colocando como parte interessada no processo judicial.

A ação direta no espaço segue. Em 72 horas garantidas, serão mais 450 marmitas entregues, mais horta plantio na horta, muitas trocas e articulações.

Quinta (30 de Setembro)

14h30min

Iniciando o mutirão da tarde na Cozinha Solidária da Azenha. A Cozinha segue na atividade, com a procura de marmitas crescendo a cada dia, segundo a informação do @mtst_rs. Às 18h30min tem a primeira assembleia da ocupação.

Sexta (01 de Outubro)

00h30min

Presente na vigília da Cozinha Solidária da Azenha esta noite.

Risadas na espera do cessar da chuva. A água cai forte e abundante vez que outra. A terra amaciada no mutirão da tarde e as lindas árvores do pátio ao fundo certamente agradecem. As valetas feitas em conjunto pensando justamente na madrugada chuvosa amenizaram o empoçar. Poça vez que outra nos toldos, que são os territórios secos possíveis. Saída rápida apenas para entregar uma marmita na calçada ou abrir o portão. Outra marmita, minutos depois, em que o homem que passa pede primeiro um cobertor, todo molhado, tremendo de frio. Infelizmente não temos. Depois o homem aceita uma marmita e sai choramingando reclamando do corpo molhado.

Seguimos aqui, na esperança da madrugada menos chuvosa e o sol na manhã para secar o peregrino.

Tecendo linhas de acolhimento,
Alimentando redes de criação,
Respirando fundo o ar da revolta.

Terça (05 de Outubro)

17h50min

Na tarde da terça, das 14h às 17h, enquanto o coordenador do movimento, Eduardo Osório, e advogados entraram em audiência com a juíza Ana Maria Wickert Theisen e com representantes da União, apoiadores e militantes do MTST fizeram um ato em frente ao prédio da Justiça Federal.

Depois de audiência na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, a juíza Ana Maria Wickert Theisen emitirá decisão ainda na terça com o prazo para o despejo da Cozinha Solidária da Azenha.

Após a reunião, o coordenador estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e um dos que puxa a Cozinha Solidária da Azenha, Eduardo Osório, relatou que a juíza não estava interessada em debater a fome, mas sim de encaminhar uma decisão sobre a reintegração de posse da propriedade reivindicada pela União. Mas, segundo relato do Eduardo, Ana chegou a questionar por que o movimento começou a cozinha há apenas oito dias, sendo que a pandemia está aí há 2 anos trazendo a fome para a população. “Por que ela não questiona o governo federal, o município, o governo do estado sobre esta questão? Por que ela exige do povo que resolva o problema da fome?”

A União sugeriu o prazo de 24 horas para o despejo, visto que o pessoal conseguiu montar a cozinha em apenas oito horas. O MTST pediu mais tempo. Sem haver consenso das partes envolvidas no prazo de saída, a juíza ficou de emitir uma decisão ainda na terça com o tempo dado para saída voluntária antes de um despejo.

Cerca de 50 pessoas se mobilizaram em vigília enquanto acontecia a audiência.

Desde o domingo, dia 26 de setembro, o MTST-RS e apoiadores ocuparam um terreno da União na Avenida Azenha e construíram ali uma Cozinha Solidária. Nos oito dias, mais de mil marmitas já foram entregues para pessoas em situação de rua e trabalhadores que passam por ali. Para a Justiça Federal, vale mais desocupar um prédio abandonado há anos do que garantir a entrega das marmitas enquanto a União e o movimento negociavam.

“Vamos voltar lá para cozinha agora, escolher feijão, cortar legumes, porque amanhã o povo vai comer de novo, seja naquela portinha, seja no outro lado da calçada, seja em outro lugar”, defendeu Eduardo no portão do prédio. “Esse é o compromisso do Movimento e não só, mas de quem está junto, vizinhos da comunidade, pessoas que nem moram na região e pegam dois ônibus às vezes para cozinhar para o povo. “O compromisso para a Cozinha seguir existindo é nosso, porque se depender dos de cima nós vamos morrer à míngua”.

Após a divulgação da decisão da Ana Maria Wickert Theisen, que deve acontecer ainda na terça, aguardamos para ver como o pessoal da Cozinha Solidária da Azenha vai proceder em relação à ocupação do terreno.

21h

Na noite desta terça, Ana Maria Wickert Theisen determinou o prazo de 48 horas para a Cozinha Solidária da Azenha ser removida voluntariamente do terreno em que está desde o dia 26. Neste período, mais de 1500 marmitas foram entregues a pessoas em situação de rua, trabalhadores.

Uma Juíza Federal como Ana Maria ganha em torno de 33 mil de salário mensal, valor que pode aumentar muito, devido ao auxílio moradia, alimentação, saúde, entre outros benefícios. Digamos que a doutora não passa fome, né?

No entanto, acatou o pedido de reintegração da Superintendência de Patrimônio da União referente a um terreno que está abandonado há anos. Quando o pessoal entrou no domingo, postei fotos disso aqui, o lugar era só lixo e fezes. Hoje está limpo, abriga uma horta, e serve mais de 150 marmitas por dia. De graça. Com as nossas mãos. De nós para nós.

O terreno agora ficará novamente jogado ou será leiloado, vendido pela União para a especulação imobiliária. Este dinheiro dirão que é para sanar a crise, ajudar os cofres públicos. Nos metem essa balela enquanto o Ministro da Economia Paulo Guedes tira onda da nossa cara faturando milhões em paraísos fiscais com a alta do dólar, justamente com a crise que ele ajuda a criar com suas políticas.

Então, não é sobre a casa. É luta de classes mesmo. Quando nos organizamos, dá medo. Quando resolvemos fazer algo prático contra a fome, eles tremem, porque não fazem nada pelo povo e não suportam nos ver articulados. Fazendo. Se fossemos mais organizados enquanto povo, a juíza, os secretários da Superintendência, Paulo Guedes e todo mundo que promove a fome neste país tremeriam.

Segundo o @mtst_rs, a Cozinha vai seguir existindo, seja ali ou em outro lugar. Que siga, alimentando e sendo espaço de troca. Que surjam várias outras. Que cada vez mais consigamos trabalhar de nós para nós. Para lutarmos contra este judiciário cheio de regalias e contra essa gente que esconde dinheiro em paraísos fiscais, que sonega imposto aqui, que está cagando para a fome do povo, só pensam nos seus dólares. Um dia cairão!

O futuro é hoje!

SEXTA (08 de Outubro)

12h50min

Registros do que pode ser o último almoço da Cozinha Solidária da Azenha. O prazo dado pela Justiça Federal para saída voluntária acaba nesta sexta às 23h59min. O @mtst_rs ainda se movimenta política e judicialmente para tentar reverter a ação. Enquanto isso, a Cozinha segue na ativa, panelas no fogo, marmitas sendo entregue, crianças brincando, espaço de inclusão. À tarde no espaço, ainda, tem reunião semanal do Movimento Nacional da População em Situação de Rua. O MTST convocou para às 19h um abraço simbólico na Cozinha. Chamamento público. Seria o momento também em que saberíamos como o movimento agiria em relação ao fim do prazo da saída voluntária.

16h20min

Vigília na Cozinha Solidária da Azenha e a situação era a seguinte:

Diferentemente do que se esperava, o prazo de saída voluntária encerrar às 23h59min da sexta, a Cozinha recebeu a visita do Oficial de Justiça pelas 14h30min. A diligência conferia se o imóvel já tinha sido desocupado. Ainda não tinha. Oficial informou a juíza que, possivelmente, emitiria um mandato para o Batalhão de Choque desalojar a ocupação. No entanto, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (@mtst_rs) recebeu um ofício do governador do RS em exercício, Ranolfo Vieira Junior, marcando uma audiência para tratar da Cozinha na segunda, dia 11. Ranolfo, na teoria, também é o chefe do Secretário Estadual de Segurança, que manda na polícia. O MTST juntou uma procuração ao processo de reintegração pedindo mais tempo à juíza.

O movimento tinha a esperança que as tratativas políticas sensibilizariam a juíza Ana Maria Wickert Theisen, já que o movimento estava e está negociando com o Estado as saídas possíveis para o mantenimento da Cozinha. Ou se a juíza mobilizaria a Polícia ainda na sexta.

22h15min

Seguimos em vigília, cantando, na Cozinha Solidária.

No começo da noite, a juíza federal Ana Maria Wickert Theisen emitiu um despacho mantendo sua decisão do despejo da Cozinha Solidária da Azenha. No entanto, ainda não havia lançado o mandato solicitando o uso da força policial. Na cozinha, vivemos essa tensão deste mandato sair a qualquer momento ou de a Polícia Militar aparecer de repente. Enquanto isso, a assessoria jurídica do MTST seguia tentando reverter a situação. Dezenas de pessoas seguem em vigília na Cozinha no aguardo de um desenrolar.

O mandando acabou não sendo emitido na sexta e nem durante o final de semana. Foram dias de tensão, devido a possibilidade de.

TERÇA (12 de Outubro)

21h25min

Na noite de terça, publiquei assim:

“Terminou há pouco o que provavelmente foi a última assembleia aberta da Cozinha Solidária da Azenha. A reunião foi convocada com urgência a partir da publicação, na tarde deste feriado, dia 12, do mandado da juíza Ana Wickert Theisen solicitando o uso da força policial na reintegração de posse do terreno. A PM, deve agir nesta quarta das 6h às 20h.

Na reunião, a saudação aos 18 dias de luta que se completam nesta quarta. Mais de 3 mil marmitas entregues, a fome como pauta urgente. A casa abandonada há anos recebeu a atenção da Justiça e do Estado depois que o @mtst_rs e diversas pessoas, coletivos apoiadores passaram a cozinhar, se articular, dar vida ao local. Ação na luta contra a fome, contando com a solidariedade diversa de tantas pessoas, inclusive da comunidade da Azenha.

No dia em que a Polícia Militar, o Governo Federal, a Justiça virão desativar e desalojar a Cozinha Solidária, também é o dia do leilão do imóvel. “Queremos saber se o dinheiro deste imóvel será destinado à população ou é mais um que vai parar em offshore em paraísos fiscal enquanto o povo passa fome?”, defendeu Cláudia Ávila, coordenadora e advogada do @mtstbrasil.

A noite será de vigília. Na reunião, a convocação da população, de apoiadores, de parlamentares para um ato público às 6h da manhã em frente à Cozinha, na Avenida Azenha. “A Justiça, a Polícia, a União vão ter que vir aqui passar a vergonha de acabar com a Cozinha neste local”, falou Eduardo Osório, coordenador do MTST. O movimento se comprometeu a seguir nesta quarta, nos próximos dias entregando marmitas na região, no local que for.

O que a juíza Ana Maria, que ganha 33 mil reais, faz contra a fome?

Por que um imóvel abandonado, a tal propriedade, vale mais do que a ação direta comunitária contra a fome?

Até quando a propriedade e o dinheiro vão valer mais que a vida do povo? Que cozinhas solidárias, a solidariedade e a ação direta se espalhem. Que saibamos cada vez mais quem são nossos inimigos. Solidariedade ao MTST. Na manhã desta quarta, o @derivajornalismo acompanhará mais essa ação de violência da Justiça e do Estado”.

Quarta (13 de Outubro) – A reintegração de posse – Feijão frente à espingarda

7h

No amanhecer da quarta, após a circulação de policiais disfarçados e viaturas esparsas pela região, por volta das 7h chegaram o oficial de Justiça acompanhado de agentes da Polícia Federal, entre eles, o Grupo de Pronta Intervenção. A Brigada Militar ficou responsável pelo isolamento da região. Pacificamente, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto saíram do terreno. Mais uma vez, no governo Bolsonaro, o feijão foi trocado pelo arma. Aí alguns registros desta ação.

A reintegração de posse foi acompanhada por esse senhor de máscara azul. Ele é Gladstone Themoteo Menezes Brito da Silva, coronel da reserva pelo Exército e superintendente de patrimônio da União no Rio Grande do Sul. Um dos mais de 6 mil militares ocupando cargo de civil no governo Bolsonaro. Gladstone solicitou a reintegração de posse na Justiça. No mesmo dia do despejo, aconteceria o leilão deste imóvel. Ainda não temos informações de como foi a venda. O MTST, a deputada federal Fernanda Melchionna, Ministério Público Federal se comprometeram a acompanhar a destinação do dinheiro gerado no leilão. Irá para algum programa de combate à fome, trará algum benefício social, ou serão mais alguns milhões destinados a paraísos fiscais?

Além do dinheiro, o que será feito do terreno? Provavelmente quem comprará serão construtoras, agentes da especulação imobiliária. O terreno possui uma pequena floresta, com árvores centenárias, diversas frutíferas, um espaço incrível para uma experiência de agrofloresta, que poderia escoar alimentos diretamente para a cozinha. Não foi, e o que será? Abaixo, um vídeo que registra algumas árvores presentes no terreno.

10h30min

Foram 18 dias de experiência de ação direta de nós para nós, de articulação, de solidariedade, de expor a pauta da fome, problema social que infelizmente só cresce. Até quando a propriedade privada e o dinheiro de alguns vão valer mais que uma vida digna para o povo?

No mesmo dia, a Cozinha Solidária da Azenha foi realocada em um imóvel privado cedido pela vizinhança provisoriamente. Os almoços seguiram sendo entregues, na quarta, na quinta, na Praça Princesa Isabel. O MTST segue as negociações com o Governo do Estado do Rio Grande do Sul e com a Prefeitura Municipal atrás de um espaço para instalar a Cozinha de forma mais permanente.

Seguimos na luta!

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