No fim da tarde desta terça, por alguns breves minutos, quem passou pela Rótula da rua Manoel Elias com a Avenida Protásio Alves viu o choro de mulheres sob o olhar triste de jovens silenciosos. Eram mais três mães negras que choravam a morte de seus filhos pela polícia. Em frente ao prédio da Brigada Militar, o ato de protesto durou poucos minutos, das 17h30min às 17h45min, com uma palavra ressoando em tom único no grito das pessoas: “Justiça!”. Era a voz de em torno de 30 familiares, amigos de Alexsander Terra Moraes, 26 anos, Cristiano Lucena Terra, 38 anos, Christian Lucena Terra, 33 anos, e Alisson Corrêa Silva, 28 anos. Os quatro, todos da mesma família, foram assassinados por um policial militar de folga durante uma confusão dentro de uma pizzaria do bairro Mário Quintana, por volta das 5h do amanhecer de domingo. O policial, lotado no 20º Batalhão de Porto Alegre, se apresentou na Delegacia de Pronto-Atendimento (DPPA) com a arma, prestou depoimento, assumiu os disparos e afirmou que agiu em legítima defesa. Vai aguardar as investigações em liberdade.
Segundo as notícias divulgadas até então, o policial teria invadido uma casa onde acontecia uma festa de aniversário. Buscava sua ex-mulher. Os presentes reagiram à invasão e perseguiram o homem até a pizzaria. A diretora do Departamento de Homicídios da Polícia Civil, delegada Vanessa Pitrez, deu um depoimento a GZH Digital dizendo que pelas imagens de segurança do estabelecimento dá para ver que o policial tentou evitar o desfecho. “[…] se escondeu, usou uma porta para se proteger. Tiraram essa proteção e foram para cima dele, seis pessoas. Até aí, nos parece que foi legítima defesa. O policial se apresentou na delegacia espontaneamente e, a princípio, não vai ser preso. Vamos averiguar todas as circunstâncias e aprofundar as investigações para ver se ele não tinha outra alternativa. Nos parece que ele tentou evitar o confronto. Pelo vídeo, corria até o risco de as pessoas tirarem a arma dele e ele ser morto”, afirma.
Quem alega legítima defesa e executa quatro homens desarmados? Não um ou dois ou três dos quatro, mas executa todos? Quem diz querer evitar um desfecho desses, mas invade a casa de pessoas com uma arma na cintura? Por que, em um dia de folga, anda armado, executa quatro pessoas e depois responde ao processo com os seus privilégios institucionais por ser da Brigada Militar?
Hoje a voz da mãe que mais chorava gritava: “meu filho não era bandido, não era bandido. Eu quero justiça”. Já desesperada provavelmente pelo que viu, leu, ouviu na segunda-feira. Quando homens negros morrem na mão de policiais, a sociedade não quer nem saber quem são, mas já justifica a morte pela cor da pele. Racismo esse que já leva um ar de profundo acometimento ao olhar dos jovens adolescentes presentes no ato. O risco de só ser quem se é.
Os manifestantes não quiseram dar depoimento à imprensa, o que respeitamos – diferente de colegas que mesmo ouvindo o pedido chegam de microfone em punho no rosto da mulher que mais chora “você é familiar das vítimas”? Pergunta óbvia para pescar qualquer coisa em prol da sua carreira de jornalista. Desrespeito ao luto, mais um.
No dispersar do ato, os familiares nos chamaram para avisar que sábado haverá uma nova caminhada, da pizzaria, onde foram efetuados os disparos, até a Delegacia da Brigada Militar, na rótula da Avenida Manoel Elias com a Protásio Alves, onde ocorreu o ato de hoje.