Muita gente acredita que já não há indígenas no Brasil. Indígenas porque “índio” é referente ao país Índia. Se preferir: “os povos originários” desta terra que pisamos. Que já estavam por aqui muito antes de Pedro Álvares Cabral e os demais colonizadores (portugueses, holandeses, franceses e, mais recentemente, estadunidenses e chineses) chegarem. Estavam e estão sendo dizimados ainda. Eram, em 1500, estima a Funai, 3 milhões de indígenas. Hoje, segundo o Censo do IBGE 2010, são em torno de 800 mil. Eram 1000 povos, hoje são aproximadamente 300. Ou sejam 700 foram extintos. Sumiram do do planeta, com sua cultura, sua língua, sua forma de ver o mundo. Isso porque os brancos, através do capitalismo, acreditam que só sua forma de ocupar a Terra é possível.
Essa forma que nos trouxe a pandemias, a cada vez mais frequentes desastres naturais, a genocídios de populações como a negra e a indígena no Brasil, na América, na África, na Austrália, a uma vida cada vez menos digna nas grandes cidades, regiões metropolitanas e suas periferias. Viu a paralisação dos motociclistas e ciclistas entregadores de aplicativo esta semana? Maior articulação trabalhista dos últimos anos, autônoma. A situação destas trabalhadoras e trabalhadores diz muito sobre qual o presente/futuro que apresentam para o povo no que diz respeito a trabalho e a condições de vida. 71% dos entregadores de aplicativos se declaram negros.
Foi lendo um trecho do livro “O genocídio do negro brasileiro”, em que Abdias Nascimento destaca que o extermínio das populações indígenas constitui um objetivo explícito do governo brasileiro, que me veio de escrever estas linhas. Diz o autor:
“Ao 28 de dezembro de 1976, o altamente respeitado Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, publicou uma entrevista com o Ministro do Interior, Rangel Reis. Seu ministério preside os assuntos indígenas através da Fundação Nacional do Índio (Funai), e na entrevista Reis afirma:
‘Vamos procurar cumprir as metas fixadas pelo presidente Geisel para que através de um trabalho concentrado entre vários ministérios, daqui a 10 anos possamos reduzir para 20 mil os 220 mil índios existentes no Brasi, e daqui a 30 anos, todos eles estarem devidamente integrados na sociedade nacional’.’’
Abdias Nascimento traz o propósito do governo durante a Ditadura Militar, mas, que na essência colonial não se diferenciou muito de outros governo e, com Bolsonaro, se afirma ainda mais. Na noite do dia 2 de julho, o presidente falou em sua transmissão ao vivo semanal que não vê sentido em ficar em casa ou fazer lockdown para conter o coronavírus, porque, diz Bolsonaro, “desconheço pessoa que tenha perdido a vida por falta de UTI ou respirador”. Quando falou isto, eram mais de 61 mil mortos no país pelo vírus – fora os não contabilizados.
A letalidade da doença entre indígenas (9,6%) é quase o dobro da média nacional (5,6%). Já são 308 indígenas mortos de 114 povos. Entre eles, algumas bibliotecas vivas e símbolos de luta para os povos, como Paulinho Payakan e Bekwykà Metuktire. Esta semana, a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) denunciando, segundo o advogado Eloy Terena, a omissão do governo brasileiro em implementar medidas sanitárias que visem proteger a vida dos povos indígenas.
A situação dos indígenas no Brasil também foi denunciada no dia primeiro de julho durante o encontro anual sobre direitos das crianças do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Quem falou foi Roger Ferreira Alegre, de 15 anos, indígena do Povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. Em meio a relatos de como o Coronavírus atinge sua comunidade e a importância de protegerem os territórios indígenas para salvar a vida destas pessoas, Roger contou sobre quando uma escola da Aldeia Guyraroká, com crianças de 6 a 9 anos, foi coberta, em 2019, por uma nuvem de agrotóxicos. Falou também sobre como parentes foram contaminados pelo coronavírus trabalhando em frigoríficos da JBS.
E o Gilberto Freyre, autor do livro Casa Grande e Senzala, que exalta a “miscigenação” e defende a ficção maliciosa da “democracia racial” vem falar que os portugueses construíram uma exitosa civilização tropical e um paraíso racial, nas América e nas Áfricas. Fala isso de um país como o Brasil, que mata um jovem negro a cada 23 minutos? Um paraíso de opressão, só se for. De extermínio do outro e de culturas diversas.
É preciso que nós brancos nos comprometamos no combate ao racismo a negros e indígenas e às violências cotidianas que ele causa. Precisamos nos empenhar na busca e no respeito de outros referenciais, diversos, outros modos de ver a vida no planeta. Esta visão branca, europeia, estadunidense, capitalista, individualista, masculina já não dá mais. Se seguirmos insistindo nisso de achar que só este estilo de vida pode existir, o fim da vida é o caminho certeiro. E não só para negros, indígenas, população LGBTQI+. Para todos nós, inclusive homens brancos. Devido ao Racismo Estrutural, estamos mais protegidos do vírus e da violência policial, mas sujeitos também às revoltas da Natureza, a vida e a esperança que míngua a cada perda de direitos, ao faroeste das ruas que muitos querem para defender seus modelos de família falidos. É dever histórico e de sobrevivência humana nos empenharmos em aprender a combater o colonialista dentro de nós e a combater aqueles que, nas ruas, se orgulham de o ser. Se silenciarmos, somos cúmplices genocidas.