Ao chegar próximo ao prédio da Fundação de Assistência Social, três viaturas da Guarda Municipal de prontidão na Esquina com a Avenida Ipiranga. Um pouco mais de dez pessoas se reuniam em torno de uma faixa na Rua Baronesa do Gravataí. Três mulheres pintavam: “Lazari/FASC Marchezan Paguem o nosso salário”.
Estava começando mais um ato de protesto das entrevistadoras do Cadastro Único do CRAs (Centros de Referência de Assistências Social) em busca dos seus salário e dos seus direitos. A empresa que as contratava, Lazari LTDA, deu um calote em outubro e simplesmente sumiu do mapa: no endereço onde funcionava no município de Montenegro já funciona uma escola de balé, segundo uma funcionária que foi até lá. Naquela quarta, estourava os 5 dias dado pela FASC para a Lazari se manifestar e as mulheres estavam ali buscando respostas.
O Deriva publicou um álbum de fotos da mobilização anterior e mais informações da situação das terceirizadas na noite de terça. Escrevo mulheres porque são 55 funcionárias do CRAs, a maioria mulheres, prejudicadas pelo sumiço da Lazari e pela terceirização da Assistência Social.
Quem primeiro se mexeu no ato foi a Guarda Municipal. Cinco soldados perseguiram, pela Avenida Ipiranga, um morador em situação de rua. Duas mulheres – que seguiríamos juntos mais tarde – e eu fomos atrás para acompanhar a abordagem. Segundo os soldados, o homem desacatou a Guarda. Espingarda em punho, arma de choque na mão. Saco de lixo do homem no chão, mãos na cabeça. Cinco contra um, se nós não chegássemos. Aquelas ameaças de sempre, para nos afastarmos da área de segurança, que deixássemos fazerem o trabalho deles. Eu na resposta de sempre: “é meu direito filmar o que vocês estão fazendo”. E as funcionárias da Assistência Social argumentavam que o homem provavelmente estava em surto, que era questão da Assistência, de Saúde, e não de polícia.
Esta situação pode ser assistida neste vídeo, transmitido ao vivo na hora.
Depois de alguns minutos de tensão, os cinco soldados da Guarda Municipal decidiram “deixar o homem para as assistentes sociais” e foram embora. Enquanto se retiravam, o homem abordado saia para o outro lado esbravejando: “sempre quando veem o cara é essa arriada”. Lembrando que esta mesma Guarda Municipal, foi militarizada e muito aparelhada no Governo de Nelson Marchezan. Mesma Guarda que imobilizou com truculência uma vendedora ambulante idosa há um tempo atrás.
Eram estes soldados que estavam ali para acompanhar o ato das mulheres em busca de seus salário.
Direitos, assim como a saúde mental do homem anterior, tratados como caso de polícia.
Após algumas falas no carro de som e de alguns minutos trancando, com a faixa produzida há pouco, duas faixas das três da Avenida Ipiranga, uma comissão de trabalhadoras terceirizadas foi convidada para se reunir com a Coordenação da FASC.
Na reunião, estavam presentes quatro entrevistadoras do CRAs, Jéssica, Rachel, Evelyn e Lucas; o diretor Executivo da FASC, Rodrigo Scaravonato; o coordenador administrativo
e fiscal do contrato da FASC, Ricardo Nicolaiewsky; a Coordenadora de Comunicação da FASC, Mariana Caldiero; a Deputada Estadual Sofia Cavedon e seu assessor de comunicação; Sibeli Diefenthaeler, pelo Conselho de Representante Sindical da FASC; Ângela Maria de Aguiar da Silva, do Fórum Municipal de Trabalhadores da Assistência Social (Fomtas); eu, como jornalista; em seguida chegou o Procurador Municipal Setorial da FASC, Iranildo Lima da Costa Júnior. Ângela e Sibeli eram as duas mulheres que acompanharam a abordagem da Guarda Municipal.
Na primeira fala, a entrevistadora Jéssica Vargas pede, pela saúde de todos ali presentes, que o diretor Executivo da FASC colocasse a máscara. E depois quis saber: o que estava sendo articulado pela FASC ? Após a notificação à Lazari através do diário oficial e a conversa com o assessor jurídico da Fundação na quinta (5), as entrevistadoras não tinham tido nenhuma orientação. Tampouco houve manifestação pública da FASC.
Jéssica desabafou: pegou Covid-19 trabalhando como entrevistadora, hoje ela e mais 54 responsáveis por famílias perderam o emprego. Sem direito a nada porque a empresa sumiu.
O diretor Executivo da FASC, Rodrigo Scaravonato, disse que estavam insatisfeitos com vários problemas administrativos com a Lazari. O contrato com a Lazari foi renovado em 06 de agosto de 2020, por um ano. “É um momento complicado de fazer uma nova licitação, para o serviço, por isso vinhamos cobrando que a empresa honra-se”. Na noite de terça, a Lazari LTDA se manifestou por e-mail, do diretor Tiago Feron, pedindo a rescisão do contrato de forma amigável. Não levou: “já que a empresa não cumpria suas obrigações contratuais, a Fasc não acatou o pedido e optou pela rescisão unilateral”, anunciou a FASC em nota. Informação que o Rodrigo trouxe na reunião.
No mesmo texto, anunciou que vai reestabelecer o serviço do Cadastro Único nos CRAs ainda em outubro. Para isso, revelou Rodrigo, a FASC vai contratar no pregão a terceira colocada da licitação em que escolheram a Lazari.
O que a FASC poderia fazer pelas trabalhadoras serem recontratadas? Segundo o Procurador Iranildo, a Fundação não pode listar as desempregadas, porque isso pessoalizaria a seleção. Rodrigo argumentou que, no que diz respeito à seleção de funcionários, no contrato com a terceirizada, há um ponto que indica que existe preferência por quem tem experiência no cargo. Isso favorecia as trabalhadoras, inclusive pelo fato de não haver necessidade de treinamento, o que agilizaria a retomada do serviço. Mas é cláusula que não chega a ser garantia, e que não tranquiliza as trabalhadoras. Na quinta-feira, Jéssica relatou ter chegado em casa e chorado após esta reunião, pela incerteza do futuro breve. Ela e suas colegas estão cansadas. Sem o salário de um mês já trabalhado, desempregadas, até então sem direitos. Em plena pandemia e com o alto índice de desemprego.
Ângela Maria da Silva, do Fórum Municipal de Trabalhadores da Assistência Social, destacou que a terceirização, como no caso da Lazari, é uma opção política de gestão. “Uma questão é o administrativo, o jurídico que vocês estão apontando, mas o que mais pode ser feito?”
Uma cesta básica doada pela FASC para cada uma das 55 famílias foi reivindicação das trabalhadoras. A diretoria executiva da Fundação agilizar isso administrativamente foi um dos encaminhamentos da reunião. Graças a proposta das terceirizadas e com insistência da Conselheira Sibeli, da Ângela, da deputada Sofia para que as cestas fossem liberadas o mais breve possível. Em nenhum momento a gestão da FASC se inclinou para uma proposta semelhante, com um pingo de solidariedade.
Da reunião, três encaminhamentos:
1) A FASC se comprometeu a ser pró-ativa no processo trabalhista que corre sobre o caso no Ministério Público do Trabalho, e assim garantir legalmente o depósito do salário de outubro das trabalhadoras usando das remessas destinadas à Lazari, mas até então retidas. Outros atrasos e direitos referentes à perda do emprego provavelmente, segundo os técnicos da FASC, serão tratados de forma individual com o auxílio do sindicato. Neste caso, o Senalba (Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional).
2) A FASC abrirá um contrato emergencial para uma nova empresa assumir os CRAs. A instituição não pode indicar pessoas para não pessoalizar. Mas nas cláusulas do contrato está a prioridade para quem tem experiência. Então as trabalhadoras sem emprego hoje terão que passar por processo seletivo. O contrato da nova empresa será de caráter emergencial com validade de 180 dias. Resolver esta situação ficará em breve para a próxima gestão da Prefeitura.
3) A liberação técnica, por parte da FASC, ainda naquele dia, de 55 cestas básicas para as famílias das desempregadas. Segundo Ângela, são distribuídas 6 mil cestas básicas pela FASC, então as 55 não seriam um problema.
Na quinta-feira se confirmou a audiência de mediação no Ministério Público do Trabalho. Segunda-feira, dia 16 de novembro, às 10h, virtualmente, com a promotora Marlise Souza Fontoura. A princípio, participam duas trabalhadoras terceirizadas, a FASC, um representante da Lazari, um do Sindicato (Senalba), a deputada Sofia Cavedon.
Quarta que vem há uma nova reunião entre trabalhadoras e FASC para acompanhar o processo no Ministério Público do Trabalho e o processo de contratação da nova empresa.
Este caso da Lazari/FASC evidência o quanto esta decisão política de buscar serviços terceirizados fragiliza os direitos trabalhistas e deixa os trabalhadores com muito mais dificuldade de recorrer.
Ainda mais tendo como barreira os trâmites jurídicos e o corpo mole dos servidores públicos de uma gestão que está prestes a acabar.
A Lazari presta serviço para diversos órgão públicos municipais, estaduais e federais, além de instituições privadas. É 21 o número de Prefeituras que a empresa está presente no Rio Grande do Sul. Instituto Federal, Base área de Canoas, Tudo Fácil, Detran, Tribunal de Justiça, Polícia Civil, Senac, e por aí vai. São milhões recebidos só da gestão federal. A Lazari acumula licitações e denúncias trabalhistas. O Repórter Popular traz relatos de trabalhadores da Região metropolitana de Porto Alegre contra a empresa.