Faz dois dias que estou tentando vomitar, lapidar, escrever um texto para acompanhar o álbum completo de fotos do protesto de #3Julho pelo Fora Bolsonaro, Fora genocidas, em Porto Alegre. Não está fácil. Às vezes penso que, devido à quantidade de acontecimentos políticos relacionados aos atos, confusos, o melhor é silenciar. Às vezes penso que é sim necessário registrar sincronicidades, repetições, situações.
Com concentração novamente no Largo Glênio Peres, dezenas de milhares de pessoas (o caminhão de som e os jornais divulgaram 70 mil) caminharam do Mercado Público até o Largo Zumbi dos Palmares (Epatur), passando através da Avenida Mauá pela Orla do Guaíba, em uma ensolarada tarde de sol em Porto Alegre. Praticamente o mesmo trajeto dos dois atos anteriores. Falas no caminhão de som, climas variantes nos grupos caminhantes, mas nenhum momento de mais tensão, com a polícia ou entre manifestantes. O mais tenso eram os cartazes de familiares homenageando seus parentes mortos.
Sempre busco acompanhar o movimento dos trabalhadores e trabalhadoras ambulantes durante os atos. Neste, me ative um pouco mais, na intenção de registrar os produtos vendidos. Observar um pouco esse fluxo. No final do ato, fui conversar.
- Como vocês conseguem pensar o produto e colocar na rua tão rápido?
- Temos uma agenda. Já sabemos quais são os próximos atos, dia 13, dia vinte e poucos tem outro. E do Bolsonaro tem dia 08 em Caxias, dia 10 a motociata aqui em Porto Alegre.
- E aí, alguém pensa os produtos e produz para vocês venderem?
- Fabrica aqui mesmo em Porto Alegre. E são sempre os mesmos produtos. Os contra o Bolsonaro, camiseta Ele Não, bandeira do PT, faixinha Fora Genocida e bandeira LGBT. Dos a favor de Bolsonaro, bandeira do Brasil, faixinha na cabeça.
- E tem vendido bem?
- Já teve ato menor que esse que vendeu mais.
- O que mais vendeu?
- A bandeira dos gays.
É notável a quantidade de bandeiras com as cores do arco iris por todo o ato mesmo. Muitas aparecem nas fotos, compradas naquele e muitas provavelmente não. Fatos não atrelados diretamente, mas: isso ocorre na mesma semana que o governo do RS, Eduardo Leite (PSDB), se declara homossexual em rede nacional, na TV Globo.
O que quer dizer camelôs vendendo a bandeira do PT, a bandeira LGBT, até um Fora Genocida?
O quanto nossas posturas políticas permitem que símbolos, mais ainda, que nossas lutam sejam rapidamente apropriados pela lógica do consumo?
Em mais uma ação dos “Artistas na Rua”, a morte paira entre a gente, com sua foice que pega quem se descuida. Atrás, o cortejo carrega as cruzes de quem já foi. Cortejo fúnebre simbolizando o luto coletivo que nos permeará por anos, infelizmente.
Fora Bolsonaro – Fora genocidas (03-07-2021) Foto Alass Derivas Fora Bolsonaro – Fora genocidas (03-07-2021) Foto Alass Derivas Fora Bolsonaro – Fora genocidas (03-07-2021) Foto Alass Derivas Fora Bolsonaro – Fora genocidas (03-07-2021) Foto Alass Derivas Fora Bolsonaro – Fora genocidas (03-07-2021) Foto Alass Derivas Fora Bolsonaro – Fora genocidas (03-07-2021) Foto Alass Derivas Fora Bolsonaro – Fora genocidas (03-07-2021) Foto Alass Derivas Fora Bolsonaro – Fora genocidas (03-07-2021) Foto Alass Derivas Fora Bolsonaro – Fora genocidas (03-07-2021) Foto Alass Derivas Fora Bolsonaro – Fora genocidas (03-07-2021) Foto Alass Derivas
No mais, caminhamos, nos olhamos, nos reconhecemos, nos fortalecemos por de trás das máscaras.
Mas o que avança a cada ato?
O que realmente, este modelo, caminhada pelo centro aos sábado à tarde, com caminhão de som, multiplicidade de composições, de fato pressiona Bolsonaro e seus apoiadores?
Ou o que acumula socialmente?
A nível nacional, retornam jargões à pauta: “Aí já é vandalismo”, “quebrar vidraça é se igualar a Bolsonaro”, “violência gera violência”. De um lado. Suspeitas de ação de P2 infiltrado. Pelego quem sabota ação direta de outro. E tantas tantas outras questões que parecem repetição de 2013 e de fato o que avançamos?
(E ainda tem quem dê como superado o debate sobre as manifestações daquele ano e o após)
O que avançamos de não deixar as movimentações de rua serem cooptadas? Nem pela Globo, nem pela direita ou nem só pelo uma lógica eleitoreira?
O que avançamos no entendimento das profundezas do colonialismo nas nossas disputas?
Caindo Bolsonaro hoje à noite (e ele deve cair), certamente para muita gente, amanhã a luta segue. E para você, o que te move?
O que a gente tem feito, de fato, além de comprar bandeiras?
De que forma avançaremos coletivamente em superar suicídios, o crime, a desilusão, a fome, o colonialismo, o neoliberalismo, a venda de nossas nascentes, o sucateamento do SUS, a venda dos territórios, a destruição das florestas?
É preciso tirarmos o Bolsonaro e sua laia imediatamente. Qual, de fato, nosso comprometimento com isso e o depois?
Perguntas todas que faço, mas me acompanham.
Aqui digo, já disse, mas sempre o sopro intuitivo do silêncio, na busca do profundo e da prática.
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