Texto e fotos Alass Derivas
“Filmando o deserto de Porto Alegre, meu filho?”. As ruas estão mais vazias. Por baixo do turbilhão de opiniões, um silêncio profundo. Mas os muros e os prédios desocupados nos convidam a lembrar.
Atrás da senhora, lá na subida da escada, a faixa nos lembra da importância do Sistema Único de Saúde e pede o fim do “Teto de gastos”. Você sabe o que é o teto de gastos? No segundo semestre de 2016, milhares de pessoas foram diversas vezes às ruas protestar para que a Proposta de Emenda Constitucional 95 não fosse aprovada. Foram chamados de vagabundos por trancarem o trânsito. A medida, uma das medidas principais do Governo Temer, passou. E acelerou o sucateamento do sistema público de saúde. A PEC 95, conhecida como PEC do Teto de Gastos congelou por 20 anos os investimentos em Saúde, Educação, Assistência Social e outras políticas públicas. Ou seja, o governo investirá nestas áreas em 2036 o mesmo que em 2016. Mesmo que as necessidades mudem, como vemos agora com o Covid-19. Essa política de austeridade, junto com várias outras aplicadas no nosso país e no mundo nos últimos anos, diz que só há um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos. Será que deu certo? Agora, com o Coronavírus, os governantes correm para aprovarem orçamentos extras na Saúde para tentar tapar o buraco do sucateamento de anos do Sistema Único de Saúde. Não estamos nesse desespero por acaso!
Neste momento, organizações e movimentos seguem cobrando para que o Supremo Tribunal Federal revogue a PEC do Teto dos Gastos. É preciso seguir lutando pelo SUS! Na mesma parede, outro lambe lembra a resistência do povo guarani. Para os povos indígenas, que existem e resistem nestas terras em que sempre estiveram, o coronavírus é mais uma epidemia que ameaça a vida da sua gente. Durante estes 500 anos de invasão, nesta lógica genocida que segue acontecendo, foram diversas doenças que ameaçaram. Dessa vez, com o Covid-19, não só eles sentem, mas toda a sociedade. Espero que isso nos ensine a reconhecer e respeitar a existência dos indígenas.
Há quem compartilhe memes cobrando que o dinheiro que foi investido em Estádios na Copa de 2014 deveriam ter ido para construção de hospitais. Ah, pois é! Muitos que compartilham vi em frente da TV torcendo pela Seleção Brasileira e acompanhando todo o campeonato. Será que lembra que 2013, 2014, muita gente também foi às ruas protestar, tentando alertar para o desastre que são os megaeventos, como Copa e Olimpiada, nos países que passam? Comunidades removidas para construir ruas que levam para os estádios, bilhões de reais investidos em estrutura que vai ser usada por um mês. Quem foi para a rua também foi chamado de vagabundo.
Pelas ruas do centro, muitas janelas com placa de aluga-se ou vende-se. Imóveis vazis. Prédios inteiros às vezes. Como é o caso do prédio da esquina da General Câmara com a Andrade Neves, onde era a Ocupação Lanceiros Negros. As famílias que moraram ali foram despejadas em 2017. Nestes 3 anos, o prédio segue vazio, como muitos prédios e apartamentos do centro. Enquanto isso, milhares de moradores de rua vivem expostos ao vírus nas ruas do centro. Ainda, milhares de pessoas vivem em situações muito precárias na periferia da cidade. Hoje olhamos para as pessoas de situação de rua e nos solidarizamos, com “pena” que peguem o Covid-19. É preciso que nos solidarizemos depois que o vírus passar também, e discutamos seriamente a questão da moradia. Porque esses apartamentos (e hóteis vazios) simplesmente não abrem suas portas? Por que a Secretaria de Educação do Estado não abre a Casa do Estudante Universitário Aparício Cora de Almeida? Só neste prédio, em boas condições, morariam 100 pessoas. Prédios inteiros à venda em leilão enquanto a galera dorme na porta, com colchão no chão.
A maioria dos guri e das guria que entrega, leva e traz, vende fruta, trabalha no Mercado Público, nos ônibus, são pretos. Enquanto tem gente, branca, fazendo carreata para abrir o comércio, pensando nos seus lucros, tem gente que não parou desde que essa história começou. E quem organiza carreata o que pensa sobre a saúde desses que já estão nas ruas?
A maioria dos problemas não começaram com o Coronavírus e não vão terminar com ele. É preciso entender que nada é por acaso, que muitas coisas que vivemos hoje foram causadas por ações de 5, 10, 50, 300 anos atrás. A história é importante! A memória é importante! O respeito a quem luta e resiste também. Antes de chamar de vagabundo alguém que protesta nas ruas é bom se informar sobre o que está sendo cobrado. Para entender que há muita diferença para o povo que pede que a PEC do Teto não seja aprovada e quem vai à rua fazer carreata para abrir o comércio, pensando nos seus lucros. Consciência de classe.
Na parada, os dois pilares gritam, “Fora Bozo” e “Fora PT Bolsonaro Mito”. O povo no meio. Enquanto o sistema financeiro, as multinacionais (mineradoras, celulose, construtoras), militares, latifundiários (o agro é pop) nos esmagam de cima para baixo, independente do governo.
Que daqui um tempo, quando o o Coronavírus passar, lembremos da importância que o SUS teve nesse momento. A história segue!